segunda-feira, abril 30, 2012

Acordar



Há uma máxima que se tornou uma verdade de La Palisse e é conhecida por todos: “Não dês um peixe, ensina-o a pescar!” A grande maioria das pessoas iria concordar com esta frase sem qualquer hesitação - em parte, ela baseia-se na esperança de que todos os seres humanos são iguais e que o ambiente que o envolve determina a sua condição económica. A verdade é que todos, enquanto seres humanos, temos direito ao peixe - é tudo uma questão de direitos humanos.

Lembrei-me desta frase quando ouvi o hino do movimento Zero Desperdício [ver mais em http://www.zerodesperdicio.pt/ ] lançado pela associação Dariacordar [ver mais em http://www.dariacordar.org/ ] - esta associação visa acabar com o desperdício criando um sistema de distribuição de refeições que estão quase a ficar fora de prazo para quem precisa. O texto para este hino foi escrito por Tim dos Xutos e Pontapés começa da seguinte maneira: “Eu não sei o teu nome | Mas sei que te posso ajudar | Sei que andas a passar fome | mesmo andando a trabalhar.”

Peço-lhe que leia a quadra anteriormente citada novamente.

OK - Continuemos: “O que eu não aproveito | Ao almoço e ao jantar | A ti deve dar jeito | Temos de nos encontrar... E acordar...”

Leu o mesmo que eu li?

Há considerações sobre o bom senso (ou a falta dele...) nas palavras deste hino: “Sei que andas a passar fome mesmo andando a trabalhar” - Trabalhas mas passas fome... é a Vida! Mas que raio de sociedade deixa as pessoas que trabalham passar fome? Que raio de sociedade na União Europeia deixa pessoas que trabalham passar fome? É assumir resignadamente a injustiça e que as virtudes do mérito são uma ilusão.

Mas o pior continua: “O que eu não aproveito, ao almoço e ao jantar. a ti deve dar jeito...” - estas pessoas que passam fome mesmo trabalhando são dignas de comer restos...

Aceito que o que acabo de escrever é uma interpretação do hino - a intenção das pessoas pode ser boa mas reflecte uma mentalidade, consequentemente, uma ideia política: se pensarmos sobre o que o Tim escreveu, somos obrigados a concluir que há uma visão que sustenta muitos projectos e intervenções sociais. Se os problemas foram feitos para ser resolvidos também é importante pensar que os problemas podem ser prevenidos. Há muitas pessoas que pensam que a intervenção social serve para colmatar os problemas já existentes - o dilema é simples: a priori ou a posteriori, a montante ou a jusante, antes ou depois...

É mais fácil mobilizar a força colectiva das pessoas quando os problemas são visíveis e urgentes. O sucesso de movimentos como Banco Alimentar contra a Fome ou do Live Aid (e muito provavelmente do projecto Zero Desperdício...) vem daí - dá um pacote de arroz ou ajudas a carregar uma saca de batatas e o problema está resolvido. Parece tão fácil.

Ora... o problema é maior e estrutural e implica uma visão estratégica: é necessária uma antevisão dos problemas mas mesmo quando a sabedoria popular diz “Prevenir é melhor do que remediar”, a realidade acaba por ser “Casa arrombada trancas à porta!”...

Solidariedade social não é caridade. Políticas sociais para pobres são pobres políticas sociais e quando se pensam intervenções sociais para os coitadinhos o que se faz é pôr o rapazinho com o dedo no buraco do dique para que a água não entre.

Depois de ter reflectido sobre este “acordar”, lembrei-me de outro “acordar” - neste caso específico, o poema “acordai” de José Gomes Ferreira... fica um excerto:
“[...] Acordai | acordai | raios e tufões | que dormis no ar | e nas multidões | vinde incendiar | de astros e canções | as pedras do mar | o mundo e os corações”

segunda-feira, abril 02, 2012

Baza, baza...


O governo encontrou a estratégia ideal para resolver o problema do desemprego: emigrem! É uma solução para a vaga de desempregados jovens que querem entrar no mercado de trabalho e encaram o panorama marcado por desemprego e precaridade.

Várias considerações foram feitas sobre esta solução em diferentes meios da comunicação social por diferentes cabeças pensantes deste país. Não queria rebater muito o assunto - queria deixar a minha opinião e conduzir a uma reflexão muito própria sobre este tópico.

O governo tem afirmado em diferentes momentos de comunicação ao País que uma solução aos desempregados qualificados é saírem de Portugal e encontrarem uma solução profissional no estrangeiro. Isto é um erro que vem detrás e vai custar muito a médio e longo prazo - investimos dinheiro em pessoas para depois mandarmos elas para outros países. Por outro lado, para o relançamento da economia Portuguesa, especialmente se pensarmos que a nossa economia está enquadrada no espaço da União Europeia, precisamos de pessoas qualificadas para serem elas próprias os empreendedores deste mesmo processo de recuperação económica. Quando o comandante diz aos passageiros de um barco para abandonarem o barco, sabemos que o barco está prestes a ir ao fundo...

Mas a emigração nem sempre é uma coisa má. Pessoas são diferentes e, frequentemente, o sítio onde gostam de estar não tem de ser o mesmo que o sítio onde nasceram. A mobilidade das pessoas é motivada por muitas outras coisas que não seja dinheiro. No meu trabalho, encontrei muitos estrangeiros que decidiram fazer a sua vida em Portugal e fizeram-no por muitas e diferentes razões mas pouquíssimas vezes alegaram que foi pelo chorudo ordenado que iriam receber em Portugal.

As pessoas têm de estar onde se sentem bem e as pessoas, quando se sentem bem, são mais produtivas. E não são só mais produtivas - têm iniciativa. Frequentemente não entendem as convenções sociais, questionam-nas, denunciam o erro e promovem a mudança. É bom ter estrangeiros destes: é chato mas é bom - acreditem em mim...

Mas há outro aspecto importante na mobilidade: a aprendizagem. Programas ligados à Aprendizagem ao Longo da Vida (Erasmus, Leonardo Da Vinci ou Juventude em Acção...) consistem em oportunidades de mobilidade e que podem dar uma possibilidade de aprendizagem e qualificação. Conhecer outras realidades sociais e culturais é uma via qualificadora para a inserção e/ou reinserção profissional.

Quando falamos especificamente do problema do desemprego juvenil, existem diversos programas europeus que constituem oportunidades que são, geralmente, desaproveitadas pelos jovens Portugueses.

Mas estas oportunidades não são um convite à emigração - são a consciencialização que existe uma globalização (boa ou não isso é outra conversa...) e que especificamente Portugal está integrado (bem ou mal isso é ainda outra conversa...). Está na altura dos jovens portugueses perceberem que “Quem pensa k'esta merda é fácil enganou-se … Abre a pestana, tana... Isto aki não é um filme, boy” Boss AC dixit

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Coquetel Molotov


Neste último artigo de 2012, queria deixar uma mensagem de esperança. Não sou uma pessoa adequada para o fazer porque 1) sou considerado como uma pessoa pessimista e 2) tenho muito pouca fé no poder das palavras. As palavras são manipuláveis e, cada vez mais, não expressam uma acção ou uma realidade. Nem sequer processos de boas intenções...

Mas gostaria de deixar na mesma uma mensagem de paz e esperança, adequada às festividades desta época. Por isso vou escrever um artigo sobre a invenção do Coquetel Molotov!

O coquetel Molotov foi inventado pelos finlandeses aquando da invasão da União Soviética a este país em 1939. Perante a falta de recursos militares para parar a ofensiva do gigante miltar soviético, os finlandeses criaram esta arma, baptizando-a com o nome do Comissário para as Relações Externas da URSS, Vyacheslav Molotov. Mesmo perante o poderio militar dos soviéticos, o engenho dos finlandeses impediu a ocupação deste país que hoje é um dos mais desenvolvidos da União Europeia.

Lembrei-me do coquetel Molotov, quando assisti, no âmbito da Feira Social de Corroios, à celebração do primeiro aniversário da Loja Social de Corroios. Este é um espaço que visa apoiar famílias carenciadas da Freguesia de Corroios com bens de diversos tipos, de forma a suprir as suas maiores necessidades. Este projecto está ligado por sua vez a outras iniciativas como o Banco do Tempo ou a acções de formação Pro Emprego.

A Loja Social de Corroios é um projecto muito simples (tal como o coquetel Molotov...), com objectivos muito simples e cuja implementação foi fácil. Se pensarmos na sua fórmula, parece quase como um pudim instantâneo (mais uma vez, tal como o coquetel Molotov...).

Porém a concretização deste projecto, depende de alguns factores mas o que gostaria de salientar neste projecto é a importância da participação cívica das pessoas e das organizações em parceria para a resolução dos problemas das pessoas. Mas mais do que resolver, iniciativas como a Loja Social e o Banco do Tempo assentam numa abordagem proactiva das políticas sociais onde o cidadão tem um papel fundamental.

Porém não se ganham guerras com coqueteis Molotov... os finlandeses sabiam que podiam travar temporariamente os soviéticos mas não para sempre... em 1940, os dois países assinam um tratado de paz, havendo a cedência para a URSS de parte do território finlandês.

O mesmo se aplica às políticas sociais - os que defendem o voluntariado como uma solução low cost exclusiva para todos os problemas sociais estão profundamente enganados. É preciso um exército treinado e com armas para ganhar uma guerra. Se não existem recursos infra-estruturais , legais, logísticos ou humanos... as políticas sociais não irão surtir efeitos, tanto a curto como a longo prazo. No entanto, é fundamental para sustentabilidade das estruturas de apoio social que hajam projectos assentes na participação activa dos cidadãos.

Para finalizar, gostaria de desejar a todos os leitores, um 2012 cheio de coragem e vontade de viver. Até para o ano - falta pouco!

sexta-feira, janeiro 13, 2012

Erasmus para quem?


Foi apresentado em Novembro a proposta da Comissão Europeia com o nome “Erasmus para todos” para as áreas da educação, formação, juventude e desporto - este programa visa substituir os actuais programas "Erasmus", "Leonardo da Vinci", "Comenius", "Grundtvig" e "Juventude em acção" e tendo o seu início previsto para 2014.

Muitas pessoas na área da Juventude, nomeadamente com o Programa Juventude em Acção, ficaram desapontados e revoltados com a proposta - a forma como estão redigidos secundariza (ou ignora, de acordo com a perspectiva...) o papel das organizações juvenis e da Aprendizagem Não Formal. A própria escolha do nome sublinhou esta tendência, destacando o programa Erasmus que visa a mobilidade de estudantes universitários - a justificação do nome centra-se no facto da notoriedade do nome ligado à aprendizagem e à cooperação europeia e ao ter um único pretende-se que haja uma maior capitalização do reconhecimento do investimento da Comissão Europeia neste domínio.

As palavras da comissária europeia responsável pela Educação, Cultura, Multilinguismo e Juventude acabam por dar essa ideia: “O investimento na educação e na formação é o nosso melhor investimento para o futuro da Europa. Estudar no estrangeiro potencia as competências das pessoas, o seu desenvolvimento pessoal e a sua adaptabilidade, fazendo com que tenham mais possibilidades de emprego. Queremos assegurar que um número bastante maior de pessoas venha a beneficiar de apoio da UE para aceder a estas oportunidades. Também temos de investir mais para melhorar a qualidade da educação e da formação a todos os níveis, de modo a podermos competir com os melhores do mundo e a criar mais emprego e maior crescimento.

Não há uma referência à palavra “Juventude”.

A actualidade europeia é marcada pela crise das dívidas soberanas e dificilmente se apostam em conceitos como participação cívica ou empoderamento dos jovens não passam de palavras bonitas - os que decidem (políticos, tecnocratas e banqueiros...) não se identificam com isto. A democracia participativa só é boa quando gera novos negócios. It’s all about the money...

Mas verdade seja dita, fala-se em Juventude neste programa porque se quer combater o desemprego juvenil. E como combate-se o desemprego? Através do “investimento na educação e formação é a chave para libertar o potencial das pessoas, independentemente da sua idade ou formação.”
A questão aqui é onde nos formamos e nos educamos - e a Comissão Europeia responde implicitamente que esta aprendizagem é feita primordialmente nas Universidades e no ensino formal. Ora isto não é verdade. A aprendizagem é feita de diferentes saberes e realizada em diferentes espaços, contextos e actores.

O trabalho em domínios da Juventude e da Aprendizagem Não Formal é desconsiderado e aqui a primeira coisa que tem que se fazer perante “Erasmus para Todos” é reflectir: reflectir sobre a visibilidade e o impacto deste trabalho; reflectir como tantos processos de sensibilização para as questões ligadas à área da Juventude desenvolvidos por tantas estruturas europeias e nacionais resultaram neste retrocesso; reflectir como o impacto do trabalho de tantas organizações juvenis acaba por ser menorizado. Este programa não é para todos tal como é dito no título... só falta saber para quem...

domingo, dezembro 25, 2011

Livro cor de burro quando foge


No passado dia 2 de Novembro, a Secretaria de Estado do Desporto e Juventude lançou a Plataforma Online – Livro Branco da Juventude. De acordo com o texto no sítio na Internet, “pretende-se elaborar um Documento a nível nacional que defina uma Estratégia Global e um plano de acção na área da Juventude.”

Soa bem, não soa? Mais épico se torna quando se escreve mais à frente: “Pretende-se ainda que, deste Livro Branco haja de facto consequências práticas e que seja um virar de página no que às políticas de juventude diga respeito em Portugal.” Quase que ouvimos o Vangelis...

Mas a música do Vangelis fica ultrapassada e passamos a ouvir uma ópera bufa quando lemos a mensagem de Alexandre Mestre, o Secretário de Estado de Desporto e Juventude. Vou pôr algumas passagens:

1) “Raríssimas são as vezes em que a tónica [sobre os jovens] é positiva. Recentemente só me recordo de duas situações: o ter-se apelidado a selecção de sub-20 de futebol como a “geração coragem” e o ter-se escolhido “geração com esperança” enquanto lema do último Encontro Nacional de Juventude.”

Ora se a primeira premissa [a tónica sobre os jovens] corresponde à realidade, a forma como o Secretário de Estado exemplifica as situações supostamente positivas revela uma falta de conhecimento e sensibilidade sobre a área política da Juventude por serem escassas e superficiais - nota-se que ele não sabia o que escrever - não é a área dele... Porém, todos nós dizemos disparates e os titulares de cargos públicos não são diferentes - sejamos tolerantes então e continuemos com a leitura.

2) “Entendo ainda como grave e perigoso criar-se na esfera dos Jovens a convicção de que “tudo está mal” e de que há um “Nós” (Jovens) e um “Eles” (Governos), responsabilizando-se exclusivamente estes.”

A armadilha hipócrita nesta argumentação visa desresponsabilizar o “Eles” e empurrar esta responsabilidade para o “Nós”. A verdade a que o senhor Secretário de Estado não quer reconhecer é que o investimento na área da Juventude tem sido escasso e que o papel dos jovens na Sociedade tem sido desvalorizado. Eles têm uma grande responsabilidade que está mal e há mesmo muita coisa que está muito mal. Não vamos maquilhar a realidade - se o mote deste governo é falar a verdade que assim seja para “Eles” e para “Nós”. Para todos. A esta altura da leitura do texto do senhor Secretário de Estado, começo a ficar confuso com as suas ideias.

3) “O “Nós” inclui Jovens e Governos, em conjunto. Com a “liberdade” e a “certíssima esperança” a que alude Luiz Vaz de Camões, nos “Lusíadas”, na dedicatória que fez ao Rei D. Sebastião. Só aí devemos cultivar o “Sebastianismo”. De outro modo, enganamo-nos e perdemos todos: o Estado não pode ser o “Desejado”, o único, de quem tudo se espera.”

Há-de haver alguém, que algum dia, assuma responsabilidade. Pelo que escreve, não vai ser certamente Alexandre Mestre. É a primeira vez que vejo alguém a utilizar Camões para justificar as insuficiências estruturais políticas na área da Juventude. Basicamente, o que Alexandre Mestre diz é: “Chama-me Pai, mas não me peças dinheiro!”

Então utiliza um truque comum nos políticos modernos...

4) “Face ao exposto, entendeu o Governo ser seu dever espoletar a elaboração de “Livro Branco para a Juventude”, de que a presente plataforma digital é uma ferramenta essencial. Aqui, com abertura, participação, responsabilidade, eficácia e coerência, todos, mas todos, poderão, deverão mesmo, ser agentes da mudança.”

O truque é simples: vamos pôr todos a falar... fazemos de conta que ouvimos e depois vamos fazendo umas coisas para enfeitar... porque o tópico político Juventude, na verdade, é secundário.

Durante estes anos, as entidades ligadas à área da Juventude - públicas e privadas - despejaram tanta informação, tantas recomendações - sabe-se o que se tem de fazer e como fazer. As palavras diálogo e participação estão envenenadas e despojadas de conteúdo. Tornaram-se um lugar comum para a promoção da impotência dos cidadãos - não queremos que eles fiquem quietos, por isso vamos pô-los a falar... é frustrante depois de tantos anos, tratarem os jovens e aqueles que trabalham nesta área como se fossem burros, pondo uma cenoura de borracha mal pintada.

Quando estamos nisto alguns anos e vemos determinadas pessoas com promessas de mudança, criamos um cinismo inibidor da real vontade de mudar as coisas. Mudar o Mundo passa por mudarmos pequenas coisas em nós e na Sociedade. Estes livros não são brancos - são da cor de um burro quando foge. E nesta altura do campeonato, só somos burros se quisermos...

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Cortar... colar!



No início do frenesim dos cortes e das poupanças, a caça às gorduras do Estado começou pelo elo mais fraco: a Juventude. Elementar, meu caro Watson!

No dia 4 de Agosto, o Conselho de Ministros comunicou a criação do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), fundindo o IPJ (Instituto Português da Juventude) e o IDP (Instituto do Desporto de Portugal). Nesta lógica, lembraram-se em extinguir a Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação (FDTI).

Para quem não conhece, a FDTI é uma fundação pública que desenvolve um trabalho na área da formação e qualificação no domínio das Tecnologias de Informação e Comunicação. Articulando-se com o IPJ, o FDTI foi responsável pela alfabetização digital de muitos portugueses. Confesso que não sou um fã dos cursos do FDTI - no entanto, reconheço o trabalho meritório que tem sido desenvolvido ao longo destes anos da sua existência. Milhares de formadores que estiveram e estão ligados a esta instituição foram, com mais ou menos sucesso, responsáveis pela introdução de muitas pessoas no Mundo da Informática.

Ao extinguir o FDTI, o governo poderá poupar dinheiro (o que é questionável...) mas o trabalho que o FDTI faz, terá que ser obrigatoriamente feito. Portugal é um país que pode ter muitos telemóveis e muita banda larga mas, em rigor, somos um país atrasado no domínio das literacias digital e mediática. Quem trabalha no terreno, vê a infoexclusão como um problema real e cada vez maior dado que há cada vez mais solicitações na vida de um cidadão para a utilização de um computador ligado à Internet... mesmo que ele não goste da ideia ou não queira. Não há recusa possível - o Mundo moderno assim o obriga.

Há uma falta de conhecimento na população Portuguesa na utilização de um computador e das potencialidades que esta tecnologia em áreas como a Educação, a Cidadania, Empreendedorismo ou Empregabilidade. O computador é mais do que uma máquina de jogos e a Internet é mais do que ver as fotos do amigo no Facebook.

Há um trabalho a ser feito e alguém tem de o fazer. Mais tarde ou mais cedo - quando houver dinheiro - vão criar uma estrutura ou um mecanismo para desenvolver esta tarefa hercúlea. A extinção do FDTI é um exemplo de um corte cego - posso aceitar que se fizessem alterações à sua estrutura, a moldura legal, as estratégias de intervenção... mas a sua missão faz sentido para tornar o país mais informado, mais competitivo, mais eficiente... em suma, mais capaz para enfrentar os problemas da Globalização e assim ultrapassar estruturalmente a crise.

Em informática, há uma diferença entre eliminar e cortar - no primeiro caso, elimina-se. Com a operação “cortar”, tira-se para depois colar. Perante a pertinência e urgência da alfabetização digital dos Portugueses, só nos resta responder à seguinte pergunta: “Cortámos com o FDTI... então aonde colamos as suas atribuições e competências?”

sábado, novembro 05, 2011

A chave portuguesa



Queria começar este artigo com uma história do meu Pai: ele, nos anos 60, trabalhava na Siderurgia Nacional como serralheiro civil e, a uma certa altura, viu-se confrontado com uma situação de trabalho que passava por desempenar umas escadas - para o fazer retirou um martelo.

Partilhava o local de trabalho com alguns operários de nacionalidade alemã e perante esta tarefa, os alemães detiveram o meu pai e disseram “Vamos fazer isto de uma forma diferente”: assim pegaram um maçarico e desempenaram as escadas, aquecendo o metal e arrefecendo rapidamente despejando água. A solução dos alemães revelou-se mais eficiente. O martelo, na gíria dos operários, era designado como a chave portuguesa - serve para tudo, arranja tudo nem que seja à pancada.

Este episódio é uma alegoria sobre os problemas estruturais de Portugal e levaria a muitas discussões. Em Portugal, usamos martelos para tudo - para pregos, parafusos, pessoas... um martelo é encarado como uma ferramenta muito prática e versátil - o interface é amigável e a técnica para a sua utilização requer muito pouca formação. Desta forma, há muita boa gente que acha que uma mala de ferramentas pode-se resumir a um martelo e pouco mais...

Ora, a lógica do martelo aplicou-se à fusão do IDP (Instituto de Desporto de Portugal) e do IPJ (Instituto Português da Juventude) que são dois institutos distintos com áreas diferentes mas aparentemente semelhantes. Desporto e Juventude são áreas distintas mas que congregadas geram uma falácia terrível: a ideia que Desporto é Juventude e que a intervenção na área da Juventude se pode resumir ao apoio a actividades desportivas diversas. Há um carácter quase industrial em todas as actividades desportivas mexendo com muitas pessoas, recursos e dinheiro: o Desporto tem um impacto mediático enorme, em especial o Futebol. Há associações desportivas que põem políticos e governantes em sentido! Isso não acontece na área da Juventude...

As especificidades da área da Juventude são muitas mas a mais importante delas todas assenta no carácter estratégico. O trabalho na área da Juventude desperta nos jovens sentido de iniciativa e participação que inspira, por sua vez, uma cidadania activa e empreendedorismo. É simples: o seu impacto é palpável mas não é reconhecido. Este impacto nao resulta nas revistas sociais: ainda não vi um dirigente ou animador juvenil com uma namorada como a do Cristiano Ronaldo. É triste mas é verdade!

Perante a força do Desporto, é previsível um esmagamento da área mais fraca justificada com a ideia de que se podem juntar dois institutos: porque havemos de ter um maçarico se temos um martelo - é a mesma coisa! Esta é uma linha de pensamento ideológico de Direita que defende o slogan “Menos Estado, Melhor Estado” - nesta questão só falta saber menos aonde, melhor no quê...

A fusão de institutos vai implicar investimento no processo de restruturação e consequentemente ineficiência no serviço público - não faz mal: a mediocridade do Estado servirá para justificar mais cortes. Mas a verdade é que o problema central vai ser que o martelo do Desporto vai substituir o maçarico da Juventude. Afinal de contas, um martelo tem muita força, é uma ferramenta barata e tipicamente Portuguesa. É com certeza!