sexta-feira, maio 02, 2008

Escolhe

Escolhe a Vida. Escolhe um emprego. Escolhe uma carreira. Escolhe uma família. Escolhe a merda de uma televisão grande, escolhe máquinas de lavar, carros, leitores de CD e máquinas eléctricas para abrir latas [...]Escolhe o futuro. Escolhe a Vida... Mas porque é que eu haveria de querer uma coisa dessas? Eu escolhi não escolher a Vida. Eu escolhi uma outra coisa. E as razões? Não há razões. Quem precisa de razões quando temos heroína?


Este trecho foi retirado do filme “Trainspotting” baseado no livro homónimo de Irvine Welsh. Esta é uma história amoral sobre a vida de um grupo de jovens de Edimburgo (na Escócia) que aparentemente não escolheram uma vida nem um futuro. É um filme de culto na minha geração - uns ficaram chocados, outros acharam o filme engraçado mas em geral poucos ficaram indeferentes. O filme parecia um espelho próximo da realidade juvenil suburbana do mundo ocidental, abordando a realidade da toxicodependência juvenil.

Durante muito tempo, nunca soube ao certo o que significava Trainspotting – quer dizer, sabia traduzir as duas palavras “train” e “spotting” mas só foi mas mais tarde na minha Vida é que soube que “Trainspotting” é um passatempo que consiste em ver comboios. Quando soube, sinceramente pensei que só alguém que não tem nada para fazer ou que não sabe o que há de fazer da sua Vida é que vai avistar comboios? Talvez...

Não vou escrever sobre drogas. Vou escrever sobre o 25 de Abril.

Se pensarmos sobre o que é o 25 de Abril, a primeira palavra que surge é “Liberdade”. E se eu pudesse falar com um jovem e perguntar-lhe o que é Liberdade, ele provavelmente responderia “Liberdade é fazer o que eu quero”. Melhor: “Fazer o que me apetece”. Seguidamente se continuássemos com este diálogo quase socrático, perguntássemos o que te apetece fazer, esse jovem responderia “Não apetece fazer nada”. Ou então: “Não sei”. Com o tempo que temos disponível, podemos sempre ver os comboios a passar.

O 25 de Abril trouxe-nos para a modernidade e afastou-nos do universo onírico salazarista de um Portugal humilde, pobre e crente. Alguns que a transformação era inevitável e que chegariamos aqui com ou sem 25 de Abril. Não quero enveredar pela discussão do “Revolução versus Evolução” mas para afirmar que o 25 de Abril trouxe mudanças fundamentais: hoje somos um País diferente e, na minha opinião, um País melhor. Muito melhor.

Portugal passou a ser um país moderno (na medida do possível...) e nunca, na nossa História, tivemos tanta riqueza, tantos bens de consumo que pudessemos usufruir. Eu tenho logo eu sou: eu sou o telemóvel da Nokia ou os ténis da Adidas. Nós temos logo nós somos tudo o que queremos ser. As virtudes do País rural crente em Deus do “antes 25 Abril” foram substítuidas pelo brilho pechisbeque dos brincos do Cristiano Ronaldo. De repente, tudo é possível, fácil e rápido.

O problema é que nós, aparentemente, não temos problemas. Mas a verdade é que temos problemas e o maior problema é não vermos os problemas ou não os querermos ver. No mundo moderno, a Vida tornou-se um percurso já feito. Ford, quando lançou o seu modelo T, afirmou: “Podem escolher todas as cores, desde que seja preto.” A escolha é teres aquela escolha.

Há uma ilusão que podemos escolher tudo e tudo está disponível... desde que escolhemos preto.

O problema nas comemorações de Abril é que são feitas no pretérito imperfeito – é o dever de quem viveu o 25 de Abril e que teme que a sua memória seja remota, que faça reflexão sobre os dias de Hoje e sobre os jovens que irão ter que lembrar o 25 de Abril cada vez mais longíquo no tempo.

Mais do que uma comemoração, 25 de Abril deve ser um verbo conjugado no presente e no futuro, encarando os desafios dos tempos que correm e que hão-de correr com os ideais democráticos de 74. Mais do que comemorar, é preciso agir no agora. Mais do que lembrar, é preciso pensar que a mais longa caminhada começa sempre no primeiro passo e andar não é fácil, não é rápido e cansa. Mais do que a data, os valores.

A Liberdade exige sonho e músculo.

2 comentários:

Myriade disse...

Muito interessante ! A minha impressao - e tenho que dizer que gosto muito de Portugal e que me doe o que vejo - é que a sociedade portuguesa actual tem uma mentalidade consumista "digna" de um pais supercapitalista, só que sem poder de compra .....

Acho que tens muita razao em dizer que "a liberdade exige sonho e músculo" ! Mas quando o sonho nao vai mais longe que até o proximo centro comercial e o musculo nao da para mais que sobreviver o ambiente torna-se morbido .....

D.I.E.S.E.L disse...

"A Liberdade exige sonho e musculo"

Muito se pode dizer sobre Liberdade sobre as mais diferntes realidades, sonhar nao e proibido e andar tambem nao, o que nao se pode e andar a deitar postas de pescada ao ar a espera que os outro as apanham.

Dizer mal, ja sabemos que os portugueses sao bons, o que e preciso e termos conciencia e rumar contra a corrente, sonhar pode ficar para depois, a vontade de mudar tem vir de dentro, porque musculos todos nos temos.