Christopher Nolan, antes de ser conhecido pelos dois últimos filmes da personagem de banda desenhada Batman, foi realizador de um filme notável - Memento: esta é a história de um homem que sofre de perda memória de curto prazo e que procura o assassino da sua mulher. A personagem principal do filme - Leonard - diz a certa altura no filme:
A memória pode alterar as dimensões de uma sala; pode alterar a cor de um carro. E as memórias podem ser distorcidas. Elas não são mais do que uma interpretação, elas não são um registo e elas são irrelevantes se tu tens os factos.
Na sua senda, Leonard utiliza diversos métodos para registar os avanços na sua investigação, nomeadamente tatuar no seu corpo as informações que ele não podia esquecer.
De vez em quando, recordo-me deste filme sobretudo quando penso sobre como os vídeos de diferentes acontecimentos nas salas de aula das escolas do nosso País e que entraram na nossa vida pública. Tal como Leonard, nós também sofremos de perda de memória de curto prazo.
E tal como as tatuagens de Leonard, estes vídeos registados nas salas de aula e colocados na Internet servem como uma fotografia de um momento que regista, representa e confirma afirmações que passam a factos.
Ficámos chocados e boquiabertos dissemos: "Meu Deus, como isto é possível?" Sinceramente, Portugal deve ter mesmo problema: ou não nos lembramos de outras situações ou andamos a assobiar para o lado... a violência e a indisciplina em espaços escolares sempre existiu e não só existe em Portugal como em outros países com outras condições e estruturas. Dizer que o problema se resolve reforçando a autoridade dos professores é pensar que o problema de Leonard é um problema de falta de memória. É mais do que isso...
É igualmente interessante sublinhar que os novos media serviram de veículo - tal como a comunidade internacional só ficou chocada com as imagens do massacre no cemitério de Santa Cruz em Timor Leste, também o cidadão comum age como S. Tomé - ver para crer - e assim é que somos forçados a validar a informação. E aí pomos a máscara do choque. Os putos com os telemóveis a filmar, em rigor, estavam a praticar jornalismo de cidadão, possível com os novos recursos tecnológicos e com a Web 2.0 - ou seja um acto de cidadania!
A hipocrisia do cidadão comum não fica por aqui: "Vamos proibir os telemóveis nas salas de aula!" - agora eu pergunto: quantos de nós não usa o telemóvel em situações que não deve: no trânsito, no trabalho ou mesmo quando temos formação profissional? Quantos de nós não protagonizou uma brincadeira parva no local de trabalho com o nosso superior hierárquico? Será que o mal está nos jovens ou nos tutores?
Perante a hipocrisia dos cidadãos de Portugal, há que dizer claramente algumas coisas: 1) Violência nas Escolas sempre houve e provavelmente sempre haverá, em diferentes formas; 2) reforçar as medidas punitivas na escola para situações de violência escolar, por si mesmo, não irá acabar a violência escolar; 3) a Educação não é um protectorado da Escola e tem de ser discutida no seio das políticas da Família, Juventude, Acção Social, Desporto, etc... disciplina sim, espírito crítico sempre!
As tatuagens, tal como qualquer vídeo gravado com cenas do quotidiano violento das escolas e que depois é disponibilizado na Internet, não passavam de registos elaborados e interpretados como nós bem entendemos. Nem as tatuagens ficam para sempre - como a memória dos factos...
1 comentário:
também sinto isso. O filme Memento, apesar de a sua qualidade não ser muito visível, transmite uma mensagem eficaz, que é o questionamento da nossa memória, e do uso que fazemos dela.
Gosto dos teus textos.
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