Escolhe a Vida. Escolhe um emprego. Escolhe uma carreira. Escolhe uma família. Escolhe a merda de uma televisão grande, escolhe máquinas de lavar, carros, leitores de CD e máquinas eléctricas para abrir latas [...]Escolhe o futuro. Escolhe a Vida... Mas porque é que eu haveria de querer uma coisa dessas? Eu escolhi não escolher a Vida. Eu escolhi uma outra coisa. E as razões? Não há razões. Quem precisa de razões quando temos heroína?
Este trecho foi retirado do filme “Trainspotting” baseado no livro homónimo de Irvine Welsh. Esta é uma história amoral sobre a vida de um grupo de jovens de Edimburgo (na Escócia) que aparentemente não escolheram uma vida nem um futuro. É um filme de culto na minha geração - uns ficaram chocados, outros acharam o filme engraçado mas em geral poucos ficaram indeferentes. O filme parecia um espelho próximo da realidade juvenil suburbana do mundo ocidental, abordando a realidade da toxicodependência juvenil.
Durante muito tempo, nunca soube ao certo o que significava Trainspotting – quer dizer, sabia traduzir as duas palavras “train” e “spotting” mas só foi mas mais tarde na minha Vida é que soube que “Trainspotting” é um passatempo que consiste em ver comboios. Quando soube, sinceramente pensei que só alguém que não tem nada para fazer ou que não sabe o que há de fazer da sua Vida é que vai avistar comboios? Talvez...
Não vou escrever sobre drogas. Vou escrever sobre o 25 de Abril.
Se pensarmos sobre o que é o 25 de Abril, a primeira palavra que surge é “Liberdade”. E se eu pudesse falar com um jovem e perguntar-lhe o que é Liberdade, ele provavelmente responderia “Liberdade é fazer o que eu quero”. Melhor: “Fazer o que me apetece”. Seguidamente se continuássemos com este diálogo quase socrático, perguntássemos o que te apetece fazer, esse jovem responderia “Não apetece fazer nada”. Ou então: “Não sei”. Com o tempo que temos disponível, podemos sempre ver os comboios a passar.
O 25 de Abril trouxe-nos para a modernidade e afastou-nos do universo onírico salazarista de um Portugal humilde, pobre e crente. Alguns que a transformação era inevitável e que chegariamos aqui com ou sem 25 de Abril. Não quero enveredar pela discussão do “Revolução versus Evolução” mas para afirmar que o 25 de Abril trouxe mudanças fundamentais: hoje somos um País diferente e, na minha opinião, um País melhor. Muito melhor.
Portugal passou a ser um país moderno (na medida do possível...) e nunca, na nossa História, tivemos tanta riqueza, tantos bens de consumo que pudessemos usufruir. Eu tenho logo eu sou: eu sou o telemóvel da Nokia ou os ténis da Adidas. Nós temos logo nós somos tudo o que queremos ser. As virtudes do País rural crente em Deus do “antes 25 Abril” foram substítuidas pelo brilho pechisbeque dos brincos do Cristiano Ronaldo. De repente, tudo é possível, fácil e rápido.
O problema é que nós, aparentemente, não temos problemas. Mas a verdade é que temos problemas e o maior problema é não vermos os problemas ou não os querermos ver. No mundo moderno, a Vida tornou-se um percurso já feito. Ford, quando lançou o seu modelo T, afirmou: “Podem escolher todas as cores, desde que seja preto.” A escolha é teres aquela escolha.
Há uma ilusão que podemos escolher tudo e tudo está disponível... desde que escolhemos preto.
O problema nas comemorações de Abril é que são feitas no pretérito imperfeito – é o dever de quem viveu o 25 de Abril e que teme que a sua memória seja remota, que faça reflexão sobre os dias de Hoje e sobre os jovens que irão ter que lembrar o 25 de Abril cada vez mais longíquo no tempo.
Mais do que uma comemoração, 25 de Abril deve ser um verbo conjugado no presente e no futuro, encarando os desafios dos tempos que correm e que hão-de correr com os ideais democráticos de 74. Mais do que comemorar, é preciso agir no agora. Mais do que lembrar, é preciso pensar que a mais longa caminhada começa sempre no primeiro passo e andar não é fácil, não é rápido e cansa. Mais do que a data, os valores.
A Liberdade exige sonho e músculo.