domingo, dezembro 25, 2011

Livro cor de burro quando foge


No passado dia 2 de Novembro, a Secretaria de Estado do Desporto e Juventude lançou a Plataforma Online – Livro Branco da Juventude. De acordo com o texto no sítio na Internet, “pretende-se elaborar um Documento a nível nacional que defina uma Estratégia Global e um plano de acção na área da Juventude.”

Soa bem, não soa? Mais épico se torna quando se escreve mais à frente: “Pretende-se ainda que, deste Livro Branco haja de facto consequências práticas e que seja um virar de página no que às políticas de juventude diga respeito em Portugal.” Quase que ouvimos o Vangelis...

Mas a música do Vangelis fica ultrapassada e passamos a ouvir uma ópera bufa quando lemos a mensagem de Alexandre Mestre, o Secretário de Estado de Desporto e Juventude. Vou pôr algumas passagens:

1) “Raríssimas são as vezes em que a tónica [sobre os jovens] é positiva. Recentemente só me recordo de duas situações: o ter-se apelidado a selecção de sub-20 de futebol como a “geração coragem” e o ter-se escolhido “geração com esperança” enquanto lema do último Encontro Nacional de Juventude.”

Ora se a primeira premissa [a tónica sobre os jovens] corresponde à realidade, a forma como o Secretário de Estado exemplifica as situações supostamente positivas revela uma falta de conhecimento e sensibilidade sobre a área política da Juventude por serem escassas e superficiais - nota-se que ele não sabia o que escrever - não é a área dele... Porém, todos nós dizemos disparates e os titulares de cargos públicos não são diferentes - sejamos tolerantes então e continuemos com a leitura.

2) “Entendo ainda como grave e perigoso criar-se na esfera dos Jovens a convicção de que “tudo está mal” e de que há um “Nós” (Jovens) e um “Eles” (Governos), responsabilizando-se exclusivamente estes.”

A armadilha hipócrita nesta argumentação visa desresponsabilizar o “Eles” e empurrar esta responsabilidade para o “Nós”. A verdade a que o senhor Secretário de Estado não quer reconhecer é que o investimento na área da Juventude tem sido escasso e que o papel dos jovens na Sociedade tem sido desvalorizado. Eles têm uma grande responsabilidade que está mal e há mesmo muita coisa que está muito mal. Não vamos maquilhar a realidade - se o mote deste governo é falar a verdade que assim seja para “Eles” e para “Nós”. Para todos. A esta altura da leitura do texto do senhor Secretário de Estado, começo a ficar confuso com as suas ideias.

3) “O “Nós” inclui Jovens e Governos, em conjunto. Com a “liberdade” e a “certíssima esperança” a que alude Luiz Vaz de Camões, nos “Lusíadas”, na dedicatória que fez ao Rei D. Sebastião. Só aí devemos cultivar o “Sebastianismo”. De outro modo, enganamo-nos e perdemos todos: o Estado não pode ser o “Desejado”, o único, de quem tudo se espera.”

Há-de haver alguém, que algum dia, assuma responsabilidade. Pelo que escreve, não vai ser certamente Alexandre Mestre. É a primeira vez que vejo alguém a utilizar Camões para justificar as insuficiências estruturais políticas na área da Juventude. Basicamente, o que Alexandre Mestre diz é: “Chama-me Pai, mas não me peças dinheiro!”

Então utiliza um truque comum nos políticos modernos...

4) “Face ao exposto, entendeu o Governo ser seu dever espoletar a elaboração de “Livro Branco para a Juventude”, de que a presente plataforma digital é uma ferramenta essencial. Aqui, com abertura, participação, responsabilidade, eficácia e coerência, todos, mas todos, poderão, deverão mesmo, ser agentes da mudança.”

O truque é simples: vamos pôr todos a falar... fazemos de conta que ouvimos e depois vamos fazendo umas coisas para enfeitar... porque o tópico político Juventude, na verdade, é secundário.

Durante estes anos, as entidades ligadas à área da Juventude - públicas e privadas - despejaram tanta informação, tantas recomendações - sabe-se o que se tem de fazer e como fazer. As palavras diálogo e participação estão envenenadas e despojadas de conteúdo. Tornaram-se um lugar comum para a promoção da impotência dos cidadãos - não queremos que eles fiquem quietos, por isso vamos pô-los a falar... é frustrante depois de tantos anos, tratarem os jovens e aqueles que trabalham nesta área como se fossem burros, pondo uma cenoura de borracha mal pintada.

Quando estamos nisto alguns anos e vemos determinadas pessoas com promessas de mudança, criamos um cinismo inibidor da real vontade de mudar as coisas. Mudar o Mundo passa por mudarmos pequenas coisas em nós e na Sociedade. Estes livros não são brancos - são da cor de um burro quando foge. E nesta altura do campeonato, só somos burros se quisermos...

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Cortar... colar!



No início do frenesim dos cortes e das poupanças, a caça às gorduras do Estado começou pelo elo mais fraco: a Juventude. Elementar, meu caro Watson!

No dia 4 de Agosto, o Conselho de Ministros comunicou a criação do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), fundindo o IPJ (Instituto Português da Juventude) e o IDP (Instituto do Desporto de Portugal). Nesta lógica, lembraram-se em extinguir a Fundação para a Divulgação das Tecnologias de Informação (FDTI).

Para quem não conhece, a FDTI é uma fundação pública que desenvolve um trabalho na área da formação e qualificação no domínio das Tecnologias de Informação e Comunicação. Articulando-se com o IPJ, o FDTI foi responsável pela alfabetização digital de muitos portugueses. Confesso que não sou um fã dos cursos do FDTI - no entanto, reconheço o trabalho meritório que tem sido desenvolvido ao longo destes anos da sua existência. Milhares de formadores que estiveram e estão ligados a esta instituição foram, com mais ou menos sucesso, responsáveis pela introdução de muitas pessoas no Mundo da Informática.

Ao extinguir o FDTI, o governo poderá poupar dinheiro (o que é questionável...) mas o trabalho que o FDTI faz, terá que ser obrigatoriamente feito. Portugal é um país que pode ter muitos telemóveis e muita banda larga mas, em rigor, somos um país atrasado no domínio das literacias digital e mediática. Quem trabalha no terreno, vê a infoexclusão como um problema real e cada vez maior dado que há cada vez mais solicitações na vida de um cidadão para a utilização de um computador ligado à Internet... mesmo que ele não goste da ideia ou não queira. Não há recusa possível - o Mundo moderno assim o obriga.

Há uma falta de conhecimento na população Portuguesa na utilização de um computador e das potencialidades que esta tecnologia em áreas como a Educação, a Cidadania, Empreendedorismo ou Empregabilidade. O computador é mais do que uma máquina de jogos e a Internet é mais do que ver as fotos do amigo no Facebook.

Há um trabalho a ser feito e alguém tem de o fazer. Mais tarde ou mais cedo - quando houver dinheiro - vão criar uma estrutura ou um mecanismo para desenvolver esta tarefa hercúlea. A extinção do FDTI é um exemplo de um corte cego - posso aceitar que se fizessem alterações à sua estrutura, a moldura legal, as estratégias de intervenção... mas a sua missão faz sentido para tornar o país mais informado, mais competitivo, mais eficiente... em suma, mais capaz para enfrentar os problemas da Globalização e assim ultrapassar estruturalmente a crise.

Em informática, há uma diferença entre eliminar e cortar - no primeiro caso, elimina-se. Com a operação “cortar”, tira-se para depois colar. Perante a pertinência e urgência da alfabetização digital dos Portugueses, só nos resta responder à seguinte pergunta: “Cortámos com o FDTI... então aonde colamos as suas atribuições e competências?”

sábado, novembro 05, 2011

A chave portuguesa



Queria começar este artigo com uma história do meu Pai: ele, nos anos 60, trabalhava na Siderurgia Nacional como serralheiro civil e, a uma certa altura, viu-se confrontado com uma situação de trabalho que passava por desempenar umas escadas - para o fazer retirou um martelo.

Partilhava o local de trabalho com alguns operários de nacionalidade alemã e perante esta tarefa, os alemães detiveram o meu pai e disseram “Vamos fazer isto de uma forma diferente”: assim pegaram um maçarico e desempenaram as escadas, aquecendo o metal e arrefecendo rapidamente despejando água. A solução dos alemães revelou-se mais eficiente. O martelo, na gíria dos operários, era designado como a chave portuguesa - serve para tudo, arranja tudo nem que seja à pancada.

Este episódio é uma alegoria sobre os problemas estruturais de Portugal e levaria a muitas discussões. Em Portugal, usamos martelos para tudo - para pregos, parafusos, pessoas... um martelo é encarado como uma ferramenta muito prática e versátil - o interface é amigável e a técnica para a sua utilização requer muito pouca formação. Desta forma, há muita boa gente que acha que uma mala de ferramentas pode-se resumir a um martelo e pouco mais...

Ora, a lógica do martelo aplicou-se à fusão do IDP (Instituto de Desporto de Portugal) e do IPJ (Instituto Português da Juventude) que são dois institutos distintos com áreas diferentes mas aparentemente semelhantes. Desporto e Juventude são áreas distintas mas que congregadas geram uma falácia terrível: a ideia que Desporto é Juventude e que a intervenção na área da Juventude se pode resumir ao apoio a actividades desportivas diversas. Há um carácter quase industrial em todas as actividades desportivas mexendo com muitas pessoas, recursos e dinheiro: o Desporto tem um impacto mediático enorme, em especial o Futebol. Há associações desportivas que põem políticos e governantes em sentido! Isso não acontece na área da Juventude...

As especificidades da área da Juventude são muitas mas a mais importante delas todas assenta no carácter estratégico. O trabalho na área da Juventude desperta nos jovens sentido de iniciativa e participação que inspira, por sua vez, uma cidadania activa e empreendedorismo. É simples: o seu impacto é palpável mas não é reconhecido. Este impacto nao resulta nas revistas sociais: ainda não vi um dirigente ou animador juvenil com uma namorada como a do Cristiano Ronaldo. É triste mas é verdade!

Perante a força do Desporto, é previsível um esmagamento da área mais fraca justificada com a ideia de que se podem juntar dois institutos: porque havemos de ter um maçarico se temos um martelo - é a mesma coisa! Esta é uma linha de pensamento ideológico de Direita que defende o slogan “Menos Estado, Melhor Estado” - nesta questão só falta saber menos aonde, melhor no quê...

A fusão de institutos vai implicar investimento no processo de restruturação e consequentemente ineficiência no serviço público - não faz mal: a mediocridade do Estado servirá para justificar mais cortes. Mas a verdade é que o problema central vai ser que o martelo do Desporto vai substituir o maçarico da Juventude. Afinal de contas, um martelo tem muita força, é uma ferramenta barata e tipicamente Portuguesa. É com certeza!

domingo, agosto 28, 2011

Fantasias Europeias II: os gordos da Europa


Angela Merkel, em plena campanha para as eleições regionais da Alemanha, lembrou-se de afirmar que a idade da reforma e os períodos de férias deveriam ser iguais em toda a Europa, numa crítica directa ao estatuto dos Gregos, Espanhóis e Portugueses. Embora todos vissem que isto era uma manobra demagógica - até os próprios alemães - Angela Merkel sabia que tinha de dizer isto em território germânico - ficava-lhe bem. Da mesma forma que Paulo Portas denuncia os abusos do rendimento social de inserção, Angela Merkel ataca os Países do Sul - é tudo uma questão de cadeia alimentar...

Há um acrónimo que identifica os membros mais pobres da zona Euro - PIGS: Portugal, Itália, Grécia e E(S)panha. PIGS - nós somos os porcos da Europa. Um porco é um animal associado a um estereótipo de gula e sujidade. Nas declarações de Angela Merkel, está implicíta a ideia de laxismo e preguiça dos “porcos” da Europa, sendo a riqueza da Europa produzida pelos Estados Centrais da União Europeia, nomeadamente pela Alemanha. Quando pensamos na Alemanha, vem-nos à cabeça ideias como organização... trabalho... riqueza... o oposto daquilo que se pensa quando falamos sobre Portugal - um país gordo como um porco!

No canal televisivo SIC, surgiu um reality show que se baseia num concurso onde pessoas com excesso de peso que concorrem para perder o máximo de peso, estando em concorrência no combate à obesidade - o título em inglês ilustra a ideia do programa e que me faz reflectir sobre os problemas estruturais que Portugal enfrenta neste momento: The biggest loser (O maior perdedor).

Para os restantes europeus, os Portugueses são os gordos da Europa - aqueles que não trabalham e que consumiram demasiadas calorias. Aqueles que têm que trabalhar mais o físico e comer menos - uma visão simplificadora. Ou simplista...

Ora, o problema da obesidade resolve-se de muitas maneiras mas sabe-se que há muitos mitos sobre esta questão. E entre esses mitos os que predominam e prevalecem são as dietas rápidas que normalmente têm um resultado inverso - aumenta-se de peso. Por outro lado, o que é mais importante perder peso ou deixar de fumar? Perder peso é importante e o excesso de peso provoca outros problemas mas qual é a importância deste problema comparando com outros problemas... ser gordo é ter uma doença terminal?

O mesmo se aplica aos diversos desequilíbrios económicos de um País - podemos comer menos (cortar na despesa...) ou comer melhor (apostar no investimento reprodutivo...), fazer exercício físico (pôr a economia mais activa e produtiva). Tudo depende do País tomado na sua perspectiva global, sendo que há muitos factores que concorrem para a resolução do problema do défice externo e da dívida pública: a geografia, a história, os recursos naturais, a população, o sistema educativo... tanta coisa.

Por exemplo: eu sou gordo e sei que tenho de emagrecer mas sei que isto implica força de vontade e consequente trabalho. Porém... Sei que para resolver este problema preciso de tempo. E o mesmo se aplica a Portugal...

O problema é que Portugal não tem tempo... relaxou, desde o tiro de partida desta corrida (entrada para a então Comunidade Económica Europeia) e agora tem de recuperar o tempo perdido rapidamente. Ou seja: Portugal tem de fazer a dieta de Duncan!

Há outra alternativa? Haver, há... mas os portugueses têm optado democraticamente por esta via que estamos a atravessar... por isso, em rigor, nao nos podemos queixar porque chegámos a um ponto onde só se engana quem se quer enganar - está na hora de suar!

quinta-feira, agosto 25, 2011

Anarchy in the UK


Foi quase impossível para muita gente não fazer a associação entre os motins no Reino Unido e a música dos Sex Pistols “Anarchy in the UK”. Só pelo título da música é fácil estabelecer os paralelismos entre o tema da banda punk britânica e os eventos que invadiram os meios de comunicação social durante o mês de Agosto. Embora não fosse um fã incondicional - quando era miúdo achava piada... - hoje olho para esta música com um caracter profético sobre a realidade dos motins. Gostaria então de citar a primeira quadra:

1) I am an anti-christ [Eu sou um anti-cristo] | I am an anarchist [Eu sou um anarquista] | Don't know what I want but I know how to get it [Não sei o que eu quero mas sei como o alcançar] | I wanna destroy the passer by [Eu quero destruir o transeunte]....

Esta música foi escrita em 1976 e tem uma actualidade incrível! Entre a visão do “bom selvagem” e do “mau malandro”, os Sex Pistols escreveram e interpretaram uma canção que define muito bem o nihilismo moderno. Porque vivemos uma sociedade racional assente na ideia sistémica e holística que todos os fenómenos têm de ter uma explicação lógica, é difícil realmente compreender o que se passou para ter ocorrido os motins em várias cidades no Reino Unido. Nenhuma ciência é verdadeiramente exacta e mesmo que existisse um tratado epistemológico das massas em fúria na actualidade, existiriam várias explicações para este tipo de fenómenos... mas há uma explicação que tem escapado a muitos analistas - a violência não se justifica, a violência, muitas vezes, é. Quando estamos frustrados com o Mundo, a violência parece ser a única solução - estamos possuídos, não pensamos - porque precisamos de um escape para a raiva que o quotidiano de exigências, incompreensões, desentendimentos e falhanços. A violência que assistimos no Reino Unido não tem justificações válidas porque violência não merece compreensão mas merece entendimento esclarecido para a sua resolução sustentável.

2) Anarchy for the U.K it's coming sometime and maybe [Anarquia no Reino Unido, vai acontecer algum dia e talvez] | I give a wrong time stop a traffic line [Eu dou uma travagem errada na fila de trânsito] | your future dream is a shopping scheme [ O teu futuro de sonho é um esquema comercial]

How many ways to get what you want [Quantas maneiras para ter o que tu queres] | I use the best I use the rest [Eu uso a melhor eu uso o resto] | I use the enemy ,I use anarchy [Eu uso o inimigo, eu uso a anarquia]

Estes motins não tinham ideologia - declarámos a morte a Deus, às ideologias e aos valores. Não somos de direita nem de esquerda. Somos por nós próprios. Somos pelas nossas necessidades e desejos individuais. Eu quero ter, eu tenho que ter... eu tenho direito a ter. A palavra “não” não existe. Gordon Gecko tinha razão... “greed is good”. A garganeirice (como a minha mãe chama...) é o valor maior dos dias de hoje. E o que se viu naqueles motins foi basicamente isso - garganeirice.

Is this the M.P.L.A [Isto é o M.P.L.A.] | Or is this the U.D.A [Ou isto é o U.D.A.] | Or is this the I.R.A. [Ou isto é o I.R.A.] I thought it was U.K. [Eu pensava que era o Reino Unido ou um outro país]...

Outro problema central na análise dos motins no Reino Unido é pensar que este problema é um problema inglês. Não é um problema geográfico ou cultural - é um problema do paradigma socioeconomico. As sociedades modernas criam a ilusão da abundância pelo mérito mas as sociedades (por serem compostas por seres humanos) são naturalmente injustas e promotoras de desigualdades - o mercado e o mérito são criações abstractas para quem quer manter-se por cima. Os motins do Reino Unido são um problema do Capitalismo, que como o Socialismo soviético, não quer perceber os problemas e consequentemente não quer criar soluções sociais e económicas para a resolução de um problema que é complexo, reflexivo e mutante.

A resolução mais fácil é a força - esmagam-se os motins na rua, colocam-se mais polícias, com mais equipamento. Resolve-se o problema a jusante e esquece-se o futuro. Só que o problema adormece mas depois acorda e entramos numa espiral em que teremos de ter um polícia para cada cidadão.

O problema é que um polícia custa dinheiro. Custa muito dinheiro. E ao comparar os preços, vemos que prevenir é mais barato. É mais barato mas mais difícil.

E para finalizar...) Get PISSED DESTROY! [Fica chateado, Destroi!] - ora foi o que eles fizeram...

terça-feira, julho 26, 2011

Onde está o Wally?

Antes de começar a escrever este artigo de opinião, eu tinha em mente uma outra ideia. Mas ontem estava na praia (um bom local para pensar sobre estas coisas da Política...) e lembrei-me de fazer esta pergunta a mim próprio: “Quem é o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto ?”

O leitor que, neste preciso momento, está a ler esta crónica, sabe qual é o Secretário de Estado do Desporto da Juventude? Se não sabe, não tenha vergonha: eu também não sei - já somos dois e podemos partilhar solidariamente a nossa condição de ignorantes.

Mas no meu caso, eu deveria ter vergonha - tenho trabalhado há mais de 15 anos na área da Juventude e tenho sido um defensor do reforço das políticas de Juventude e da valorização das organizações de Juventude. Mas era mesmo importante para mim saber quem era o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto? Não sei.

Porque, se por um lado, é importante saber quem é a pessoa que vai conduzir este domínio político, por outro, o papel da administração central sempre foram uma terra de ninguém onde normalmente se coloca um delfim. Com o reforço das indústrias do desporto, a realidade é que os agentes que estão no domínio político da Juventude sentem que este Secretário de Estado não é Secretário de Estado da Juventude e do Desporto mas sim Secretário de Estado do Desporto da Juventude.

É uma grande tendência estrutural num País que quer pão e circo e que as grandes corporações dominam as agendas políticas consoante os seus interesses. Quem está no terreno, vê estas mudanças políticas como alguma indiferença. É como se pegássemos num livro da famosa série “Onde está o Wally?” e perguntássemos a nós próprios: será mesmo importante saber onde está o Wally? Ficamos mais cultos ou inteligentes ou será que é só um passatempo?

Qual é a importancia que este Secretário de Estado vai ter na vida dos jovens e das organizações? Será que ele vai fazer diferença? Não sei... mas tenho muitas dúvidas. Não pelo senhor que eu nem sei quem é... não pelos partidos... não pelos técnicos que trabalham na Secretaria de Estado e no Instituto Português da Juventude. As políticas de Juventude, em vez de se assumirem com um papel maior e liderante, diluem-se nas áreas da Educação, do Desporto, da Cultura... e pergunto-me: faz sentido haver uma Secretaria de Estado da Juventude? Ou faz sentido haver sectores de Juventude nas Câmaras? Eu, honestamente falando, não sei a resposta para esta questão. Não sei... e sei que há muitas pessoas que também não o sabem apesar de dizerem o contrário.

Quem está cá em baixo sente que começa a ser irrelevante esta dança de cadeiras. O Wally está lá mas é só para sabermos que está lá e nada mais.

P.S.: Depois de ter escrito o artigo, fui à Internet... procurei bem... e já sei quem é o Secretário de Estado da Juventude da Juventude e do Desporto! Chama-se Alexandre Mestre e, de acordo com o Semanário Sol, é “um jurista especializado em Direito Desportivo e passa pela segunda vez pela secretaria, depois de entre 2003 e 2005 ter sido adjunto de Hermínio Loureiro. Pertencia actualmente à sociedade de advogados PLMJ, liderando a equipa de Direito de Desporto.” - por favor, tirem as vossas conclusões...

domingo, junho 26, 2011

Fantasias Europeias: a idiossincrasia da “manada”

1) Há um vídeo viral que tem aproximadamente 8 minutos e popularizou-se na Internet e que sintetiza, na minha opinião, os problemas centrais da União Europeia - o parque Kruger situa-se na África do Sul foi palco de um episódio da vida de uma manada de búfalos africanos perante um ataque de um grupo de leões. A manada aproximava-se da água e é surpreendida por uma ataque dos predadores leoninos - os búfalos fogem e dispersam. Um dos elementos mais novos não consegue fugir, é derrubado e acaba por cair na água. Ao cair na água, aproxima-se um crocodilo que tenta apropriar-se da presa. Os leões acabam por ficar com a presa e arrastá-la para terra. Quando os leões preparam-se para matar finalmente o jovem búfalo acontece um volte-face e resurge a manada de búfalos que atacam os leões, salvando o seu membro vulnerável. Os leões, perante o ataque em massa dos búfalos, debandam em pânico.

2) A Grécia, a Irlanda e Portugal são os elementos mais vulneráveis da manada europeia - as razões pelas quais estes países são diversas e dependem da visão ideológica do analista. Mas algo é objectivo: estes três países são estruturalmente diferentes nas políticas económicas que desenvolviam anteriormente ao colapso financeiro que obrigou ao pedido de ajuda. Há uma coisa que estes países têm em comum: são da periferia. Também parece claro que há um ataque especulativo sobre os juros da dívida pública, aproveitando o momento e a necessidade dos Estados para compensar os desequilíbrios do próprio sistema financeiro global que teve um impacto em todas as economias do Mundo.

Agora a questão que se coloca é - cada um fica para trás, o que é que os outros fazem? deixam-no para trás ou ajudam-no? A resposta parece fácil mas a prática mostra o contrária. O búfalo jovem seria preguiçoso e não trabalha... qualquer esforço para salvar a nossa pele será sempre mais importante...

A verdade é que a Europa tem várias velocidades motorizadas por diferentes interesses, muitas vezes, ocultos. Os países não são diferentes das pessoas - a Real Politik faz parte do quotidiano das pessoas individuais. Os seres humanos não são perfeitos - consequentemente, os países também não o são. Se as pessoas podem ser cobardes, fraquezas e mesquinhas... também as mesmas falhas podem ser encontradas na postura dos países que, em vez de se solidarizarem, fogem. Afinal, a vida de um búfalo não é fácil...

3) Francisco Lucas Pires, pai do jornalista/escritor Jacinto Lucas Pires, foi um dos líderes emblemáticos do CDS, antes deste partido se ter tornado em CDS/PP. Falecido em 1998, Lucas Pires era um europeísta convicto, convicção essa que o afasta do próprio CDS que, na altura, assumia um posicionamento eurocéptico. Ele, a uma certa altura, escreveu e afirmou o projecto europeu na premissa que os países europeus partilhavam um património cultural e histórico - na sua opinião, havia uma idiossincrasia europeia. Descansem - idiossincrasia está no dicionário...

Pensando naquilo que Lucas Pires, surge-me uma expressão em inglês que tenho muita dificuldade em traduzir - wishful thinking: um optimismo naif. Esta esperança idealista e ingénua desmoronou... a ideia de Europa é suportada pelos ricos e quando os ricos mandam... os pobres obedecem. E tal como Mussolini dizia - obedece porque deves obedecer. E verdade seja dita: Portugal, a Grécia e a Irlanda puseram-se a jeito...

quarta-feira, maio 04, 2011

Tens tempo?


Há uma expressão, impregnada de ironia, que eu, frequentemente, utilizo em contexto informal. Se alguém me pergunta se eu, por exemplo, já comprei um carro novo ou fui de férias para algum local exótico, eu respondo: "Não tenho tempo..."

A minha "falta de tempo" não se refere ao tempo cronológico mas sim à falta de dinheiro... surrealismo dos pobres, dirão alguns, enfim é a Vida!

Esta piada é frequente - torna-se ainda mais frequente quando enfrentamos uma crise financeira grave. Talvez a mais grave que o sistema económico internacional terá enfrentado. É difícil entender a amplitude e o impacto do fenómeno. Mas uma coisa temos que ter consciência: temos que agir. E porquê? Porque não temos tempo...

Mas é possível agir sem dinheiro? A resposta é sim e passa pela activação do cidadão enquanto agente promotor da coesão social. A famosa máxima de Kennedy "Não perguntes o que é que o teu país pode fazer por ti. Em vez disso, pensa sobre o que podes fazer por ele." aplica-se porque todos podemos fazer algo. E reparem que eu utilizei o verbo fazer e não o verbo falar. E dentro do verbo fazer está subjacente outro verbo igualmente difícil e complexo - o verbo participar.

A importância do voluntariado nas organizações do terceiro sector é crucial para a resolução dos problemas sociais contemporâneos. É preciso que as pessoas façam coisas - é preciso ajam sobre a realidade e transformem-na. É preciso romper com o conformismo e com o "deixa andar...". Há que reflectir, há que haver acção, há que mudar o estado das coisas.

A mudança não está na mãos dos políticos. A mudança está na mão dos cidadãos. A mudança está nas nossas mãos. Sendo que nós, cidadãos, somos políticos com um "P" maiúsculo. Por mais que alguns políticos possam falar, Solidariedade é, de facto, geradora de riqueza económica. O País deixará de ser mais pobre quando neste país houverem menos pobres.

No Seixal, a Participação e Solidariedade são possíveis porque há uma variedade enorme de organizações que abordam tratam tantas e tão diferentes temáticas. Organizações que precisam de pessoas que queiram colaborar voluntariamente para a prossecução da sua missão. Pode-se criticar esta autarquia em diferentes aspectos, mas há políticos e técnicos preocupados com a dinâmica associativa. Por isso é possível. Não é fácil, implica trabalho mas é possível.

Julgo ser importante que haja igualmente uma reflexão e adopção de actividades para a activação e responsabilização do cidadão na resolução dos problemas sociais do concelho. Estas pessoas têm de ter tempo (e não estou a falar de dinheiro...) porque os problemas sociais de uma comunidade, não são os problemas de um grupo ou minoria. Estes problemas não são problemas de alguns; são problemas de todos que colectivamente temos de intervir. E porquê? Porque o tempo é pouco...

Era importante que surja uma forma de promover, sistematizar e disseminar as diferentes oportunidades de Voluntariado, assim como de outras formas de colaborar ou ajudar as diferentes organizações sem fins lucrativos deste município. A ideia de um centro de apoio ao voluntariado do Seixal é algo que se discute e que pode potenciar a dinâmica das diferentes organizações, revitalizando e renovando os quadros das associações, colectividades ou IPSS - a natureza, os objectivos ou os processos de gestão podem ser perspectivados de diferentes formas para esta rede mas uma coisa parece-me óbvia: este centro de apoio ao Voluntariado no Seixal tem de avançar porque não temos tempo...

O que não há no Seixal - cabe à Câmara criar esse centro municipal de voluntariado? A resposta é muito simples - cabe a todos nós. E mais uma vez poder-se-á dizer: não é fácil, implica trabalho mas é possível

sábado, abril 16, 2011

Dormir melhor

Foi inaugurado o Centro de Apoio ao Movimento do Associativismo Juvenil e apresentado a proposta de regulamento interno deste equipamento. O CAMAJ era uma aspiração antiga das organizações juvenis e uma promessa eleitoral antiga da CDU para o concelho do Seixal. Muitos ficaram contentes mas o impacto deste equipamento na vida dos jovens do Seixal depende daquilo que fazemos no presente no e com o CAMAJ. Desta forma, a proposta de regulamento revela o que a Câmara Municipal do Seixal acha o que deve fazer neste momento com o equipamento municipal em epígrafe.

O regulamento começa no artigo 2 por enunciar os objectivos: “1) promover e estimular a criação de projectos e actividades do movimento associativo juvenil formal e não formal do concelho do Seixal; 2) disponibilizar à população juvenil um conjunto de valências específicas dirigidas às suas necessidades; 3) Incentivar o movimento associativo a criar parcerias entre si de forma a rentabilizar recursos, dando visibilidade ao trabalho desenvolvido; 4) fomentar o desenvolvimento do Associativismo juvenil no Concelho e consolidar o trabalho já existente” - Muito bem! A questão é como atingimos os objectivos...:

Todos sabemos das dificuldades dos tempos que correm. Todos também devemos ter consciência do esforço financeiro que um equipamento como CAMAJ deve implicar na sua criação e manutenção. Ora perante esta situação como é que aliviamos o esforço (porque os recursos são escassos...) e transformamos o esforço em investimento e o investimento em resultados efectivos e palpáveis para o município?

A resposta é simples: o modelo de gestão do equipamento tem de ser participativo e os utilizadores do equipamento (o movimento associativo juvenil) têm de ser um parceiro real, com responsabilidades e direitos na dinamização do equipamento. Esta discussão pode ser um acto de masturbação intelectual mas tem implicações práticas muito directas. Se a Câmara, por dificuldades estruturais, não conseguir garantir o horário de funcionamento - não há dinheiro, são necessários funcionários noutros serviços, etc... - o que é que acontece às valências do CAMAJ necessárias para as organizações cuja actividade não se encaixa no horário reduzido proposto pela entidade competente - a Câmara Municipal do Seixal.

Vou dar um exemplo: uma organização juvenil quer organizar uma actividade de formação e para adequar os horários tenta realizar a oficina em horário pós-laboral (vamos supor das 19:30 às 22:30..) para que trabalhadores e estudantes possam participar. Mas temos um problema - não se pode realizar depois das 22 horas - o horário não permite. E para que é que o funcionário está lá, em muitos dos casos? Para abrir e fechar uma porta. Com uma chave...

Para ser justo a autarquia pôs em prática a cedência de chaves às organizações juvenis para as Salas de Trabalho para as associações juvenis. E cabe às associações juvenis utilizarem regularmente as valências do equipamento, legitimando as reivindicações afirmadas em inúmeras reuniões, encontros e documentos.

As organizações juvenis não têm tecto para viver e não têm terra para trabalhar - é tão simples quanto isso. Não há um reconhecimento efectivo na Sociedade Portuguesa sobre a importância da escola de cidadania e empreendedorismo que é o associativismo juvenil. Embora os discursos dos políticos estejam “inundados” com palavras sobre os jovens, na prática, o reconhecimento real do papel dos jovens na Sociedade Portuguesa fica-se pelo Futebol e pouco mais.

Tempos difíceis aproximam-se... mais do que nunca, temos de criar soluções de compromisso e capacitar os agentes da sociedade civil na acção conjunta com um objectivo comum. Perante a dificuldade da autarquia em dar certas respostas que exigem flexibilidade, velocidade de resposta e imaginação, a Câmara Municipal do Seixal tem de pôr aqui em prática aquela palavra tantas vezes utilizada em discursos - parceria. Ora a palavra “Parceria” puxa a palavra “Confiança” e aqui coloca-se outra questão: a Câmara Municipal confia verdadeiramente nas associações juvenis, com as quais já trabalha?

Muita vezes fico com a impressão que faz-se o investimento na área da Juventude para aliviar a consciência de algumas pessoas e assim, no final do dia, puderem dormir melhor...