domingo, junho 27, 2010

Tenho um amigo fascista



Tenho um amigo fascista que é um dilema na minha vida. Passei a minha adolescência com ele. partilhámos piadas, conversas, problemas, crises, alegrias, sonhos, música... coisas que unem duas pessoas para o resto da vida. Coisas que, pelo menos, deveriam unir... dois amigos. Digo amigos também porque numa das mais importantes redes sociais na Internet do Mundo, ele é meu amigo.

Tenho um amigo fascista? Ele não se denomina como fascista - é um nacionalista! Defende a pátria e a sua pureza racial conspurcada pelos imigrantes, homossexuais, comunistas e outros que tais que destroem a "nação valente e imortal". Não sei se ele é meu inimigo mas, por eu ser de esquerda, ele vê-me como a sua némesis. Os problemas de Portugal começaram com o 25 de Abril de 1974. A guerra colonial, as eleições fraudulentas, a censura, as perseguições políticas, o estatuto jurídico inferior da mulher, o condicionamento corporativo da actividade económica... todos estes factos que caracterizavam o Portugal de então faziam de nós um país supostamente próspero e feliz. Supostamente... A memória de alguns é claramente uma interpretação fantasiosa de um país que só existiu na cabeça deles. No caso do meu amigo, nasceu depois do 25 de Abril e sempre que evoca as "glórias" de Salazar o que ele acaba por fazer é um elogio à democracia do 25 de Abril. Sempre.

Tenho um amigo fascista que vai contra quase tudo que eu defendo como ser humano - a ideia de Nação Portuguesa é uma invenção intercultural e a riqueza deste país depende do esforço colectivo daqueles que estão e os imigrantes em Portugal são parte da solução. Dizer que o Desemprego e a Insegurança são resultado da imigração em Portugal é um erro, motivado pela necessidade em encontrar culpados fáceis, evitando olhar para o problema e para as suas causas na sua essência. Tenho o prazer em trabalhar com portugueses e estrangeiros, sendo que a nossa diferença torna-nos efectivamente mais fortes, mais inteligentes e mais preparados para as mudanças que estão para vir... esta é uma verdade que vivencio todos os dias: eles - polacos, alemães, cabo-verdianos, guineenses, angolanos, turcos... - são a minha nação valente e imortal. E afirmo aos nacionalistas: Portugal tem poucos estrangeiros!

Tenho um amigo que sabe muito pouco sobre a História de Portugal (na qual ele tem supostamente um orgulho imenso...) e não quer saber que o ADN da nossa nacionalidade é o resultado de cruzamentos de culturas de várias paragens... e foram estes contributos que tornaram-nos uma "Nação Valente e Imortal". É incontável a lista de povos que estiveram naquilo que é hoje o território nacional, deixando nele patrimónios riquíssimos que contribuíram para a criação da identidade nacional lusitana. Os nacionalistas, quando celebram o 10 de Junho, esquecem-se da vida de Camões e provavelmente têm dificuldades em compreender o seu amor por Dinamene – que por ser estrangeira não tinha lugar no nosso País. Pergunto-me: como se pode ser nacionalista e defender o que um nacionalista defende depois de ler “Os Lusíadas”… Na verdade, os nacionalistas recusam-se a ver muitas coisas e não querem despertar para uma realidade bem mais cruel, para eles e para todos nós - eles não são nacionalistas, eles são fascistas.

Não consigo sentir o mesmo ódio que o meu amigo fascista tem por mim - Woody Guthrie, um cantautor americano que inspirou músicos como Bob Dylan ou Bruce Springsteen, tinha na sua guitarra a seguinte inscrição "Esta máquina mata fascistas". Eu, por sua vez, nunca fui capaz de dizer "Um bom fascista é um fascista morto!" e agora muito menos... afinal é meu amigo... ou pelo menos, era...

Tenho um amigo fascista? Não sei...