domingo, dezembro 25, 2011

Livro cor de burro quando foge


No passado dia 2 de Novembro, a Secretaria de Estado do Desporto e Juventude lançou a Plataforma Online – Livro Branco da Juventude. De acordo com o texto no sítio na Internet, “pretende-se elaborar um Documento a nível nacional que defina uma Estratégia Global e um plano de acção na área da Juventude.”

Soa bem, não soa? Mais épico se torna quando se escreve mais à frente: “Pretende-se ainda que, deste Livro Branco haja de facto consequências práticas e que seja um virar de página no que às políticas de juventude diga respeito em Portugal.” Quase que ouvimos o Vangelis...

Mas a música do Vangelis fica ultrapassada e passamos a ouvir uma ópera bufa quando lemos a mensagem de Alexandre Mestre, o Secretário de Estado de Desporto e Juventude. Vou pôr algumas passagens:

1) “Raríssimas são as vezes em que a tónica [sobre os jovens] é positiva. Recentemente só me recordo de duas situações: o ter-se apelidado a selecção de sub-20 de futebol como a “geração coragem” e o ter-se escolhido “geração com esperança” enquanto lema do último Encontro Nacional de Juventude.”

Ora se a primeira premissa [a tónica sobre os jovens] corresponde à realidade, a forma como o Secretário de Estado exemplifica as situações supostamente positivas revela uma falta de conhecimento e sensibilidade sobre a área política da Juventude por serem escassas e superficiais - nota-se que ele não sabia o que escrever - não é a área dele... Porém, todos nós dizemos disparates e os titulares de cargos públicos não são diferentes - sejamos tolerantes então e continuemos com a leitura.

2) “Entendo ainda como grave e perigoso criar-se na esfera dos Jovens a convicção de que “tudo está mal” e de que há um “Nós” (Jovens) e um “Eles” (Governos), responsabilizando-se exclusivamente estes.”

A armadilha hipócrita nesta argumentação visa desresponsabilizar o “Eles” e empurrar esta responsabilidade para o “Nós”. A verdade a que o senhor Secretário de Estado não quer reconhecer é que o investimento na área da Juventude tem sido escasso e que o papel dos jovens na Sociedade tem sido desvalorizado. Eles têm uma grande responsabilidade que está mal e há mesmo muita coisa que está muito mal. Não vamos maquilhar a realidade - se o mote deste governo é falar a verdade que assim seja para “Eles” e para “Nós”. Para todos. A esta altura da leitura do texto do senhor Secretário de Estado, começo a ficar confuso com as suas ideias.

3) “O “Nós” inclui Jovens e Governos, em conjunto. Com a “liberdade” e a “certíssima esperança” a que alude Luiz Vaz de Camões, nos “Lusíadas”, na dedicatória que fez ao Rei D. Sebastião. Só aí devemos cultivar o “Sebastianismo”. De outro modo, enganamo-nos e perdemos todos: o Estado não pode ser o “Desejado”, o único, de quem tudo se espera.”

Há-de haver alguém, que algum dia, assuma responsabilidade. Pelo que escreve, não vai ser certamente Alexandre Mestre. É a primeira vez que vejo alguém a utilizar Camões para justificar as insuficiências estruturais políticas na área da Juventude. Basicamente, o que Alexandre Mestre diz é: “Chama-me Pai, mas não me peças dinheiro!”

Então utiliza um truque comum nos políticos modernos...

4) “Face ao exposto, entendeu o Governo ser seu dever espoletar a elaboração de “Livro Branco para a Juventude”, de que a presente plataforma digital é uma ferramenta essencial. Aqui, com abertura, participação, responsabilidade, eficácia e coerência, todos, mas todos, poderão, deverão mesmo, ser agentes da mudança.”

O truque é simples: vamos pôr todos a falar... fazemos de conta que ouvimos e depois vamos fazendo umas coisas para enfeitar... porque o tópico político Juventude, na verdade, é secundário.

Durante estes anos, as entidades ligadas à área da Juventude - públicas e privadas - despejaram tanta informação, tantas recomendações - sabe-se o que se tem de fazer e como fazer. As palavras diálogo e participação estão envenenadas e despojadas de conteúdo. Tornaram-se um lugar comum para a promoção da impotência dos cidadãos - não queremos que eles fiquem quietos, por isso vamos pô-los a falar... é frustrante depois de tantos anos, tratarem os jovens e aqueles que trabalham nesta área como se fossem burros, pondo uma cenoura de borracha mal pintada.

Quando estamos nisto alguns anos e vemos determinadas pessoas com promessas de mudança, criamos um cinismo inibidor da real vontade de mudar as coisas. Mudar o Mundo passa por mudarmos pequenas coisas em nós e na Sociedade. Estes livros não são brancos - são da cor de um burro quando foge. E nesta altura do campeonato, só somos burros se quisermos...

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