sábado, novembro 05, 2011

A chave portuguesa



Queria começar este artigo com uma história do meu Pai: ele, nos anos 60, trabalhava na Siderurgia Nacional como serralheiro civil e, a uma certa altura, viu-se confrontado com uma situação de trabalho que passava por desempenar umas escadas - para o fazer retirou um martelo.

Partilhava o local de trabalho com alguns operários de nacionalidade alemã e perante esta tarefa, os alemães detiveram o meu pai e disseram “Vamos fazer isto de uma forma diferente”: assim pegaram um maçarico e desempenaram as escadas, aquecendo o metal e arrefecendo rapidamente despejando água. A solução dos alemães revelou-se mais eficiente. O martelo, na gíria dos operários, era designado como a chave portuguesa - serve para tudo, arranja tudo nem que seja à pancada.

Este episódio é uma alegoria sobre os problemas estruturais de Portugal e levaria a muitas discussões. Em Portugal, usamos martelos para tudo - para pregos, parafusos, pessoas... um martelo é encarado como uma ferramenta muito prática e versátil - o interface é amigável e a técnica para a sua utilização requer muito pouca formação. Desta forma, há muita boa gente que acha que uma mala de ferramentas pode-se resumir a um martelo e pouco mais...

Ora, a lógica do martelo aplicou-se à fusão do IDP (Instituto de Desporto de Portugal) e do IPJ (Instituto Português da Juventude) que são dois institutos distintos com áreas diferentes mas aparentemente semelhantes. Desporto e Juventude são áreas distintas mas que congregadas geram uma falácia terrível: a ideia que Desporto é Juventude e que a intervenção na área da Juventude se pode resumir ao apoio a actividades desportivas diversas. Há um carácter quase industrial em todas as actividades desportivas mexendo com muitas pessoas, recursos e dinheiro: o Desporto tem um impacto mediático enorme, em especial o Futebol. Há associações desportivas que põem políticos e governantes em sentido! Isso não acontece na área da Juventude...

As especificidades da área da Juventude são muitas mas a mais importante delas todas assenta no carácter estratégico. O trabalho na área da Juventude desperta nos jovens sentido de iniciativa e participação que inspira, por sua vez, uma cidadania activa e empreendedorismo. É simples: o seu impacto é palpável mas não é reconhecido. Este impacto nao resulta nas revistas sociais: ainda não vi um dirigente ou animador juvenil com uma namorada como a do Cristiano Ronaldo. É triste mas é verdade!

Perante a força do Desporto, é previsível um esmagamento da área mais fraca justificada com a ideia de que se podem juntar dois institutos: porque havemos de ter um maçarico se temos um martelo - é a mesma coisa! Esta é uma linha de pensamento ideológico de Direita que defende o slogan “Menos Estado, Melhor Estado” - nesta questão só falta saber menos aonde, melhor no quê...

A fusão de institutos vai implicar investimento no processo de restruturação e consequentemente ineficiência no serviço público - não faz mal: a mediocridade do Estado servirá para justificar mais cortes. Mas a verdade é que o problema central vai ser que o martelo do Desporto vai substituir o maçarico da Juventude. Afinal de contas, um martelo tem muita força, é uma ferramenta barata e tipicamente Portuguesa. É com certeza!

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