sábado, setembro 23, 2006

A Tragédia das Baleias Suicidas

Uma notícia:

"Um homem vestido com uniforme militar preto abriu fogo esta quarta-feira numa escola no centro de Montreal, fazendo um morto e 19 feridos, seis deles em estado crítico, revelam fontes oficiais, segundo a «Reuters». A vítima mortal era uma jovem de 20 anos.

A polícia referiu, entretanto, que apenas um homem participou neste ataque (incialmente falou-se em dois a três homens) e que foi abatido pelos agentes da autoridade. As primeiras informações falavam em suicídio.

Os disparos aconteceram na cantina do Dawson College, no centro de Montreal, a segunda maior cidade do Canadá." in http://www.portugaldiario.iol.pt

Como explicar?

Algures no caminho perdemos a noção do que queremos da Vida - o autor dos disparos, Kimveer Gill, pelas informações existentes na imprensa, era um jovem obececado por videojogos e "revelava sua paixão por armas de fogo e exibia seu perfil mórbido". Tinha um blog num site sugestivo - vampirefreaks.com - onde colocava afirmações diversas como: "Life is like a video game, you gotta die sometime" (a vida é como um videojogo, alguma vez tens de morrer) ou "Work sucks … School sucks … Life sucks … What else can I say?" (Trabalho não presta... a Escola não presta... a Vida não presta... O que mais poderia dizer?) - ele utilizava diferentes alias (nomes de utilizadores informáticos) como Trench (a trincheira) ou fatality666 (fatalidade666). Gostava de Marilyn Manson mas o seu filme era Romeu e Julieta - será que o inspirador desta tragédia urbana pós-moderna foi o dramaturgo inglês William Shakespeare???

Os media não dizem que ele era pobre, drogado e pelo que se sabe os pais não batiam nele. É verdade: o Mal pode nascer na porta ao lado. E da mesma forma como Kimveer, milhões de jovens em todo o Globo jogam jogos de computador com extrema violência, gostam de Marilyn Manson e alguns são mesmo apreciadores do maior dramaturgo anglo-saxónico de todos os tempos - por mais que nos custe a acreditar, o facto de jogar um jogo de computador violento não faz de nós possíveis sociopatas.

A questão coloca-se: poderia-se ter evitado? Como?

O documentário que lançou para o estrelato Michael Moore - "Bowling for Columbine" - aborda a questão do acesso às armas mas será que isso explica tudo? O mundo moderno, pela sua abundância, tira-nos o sentido da vida e o desejo de sobreviver - temos tudo o que mais poderemos querer? A resposta do "American Dream" globalizado surge com um carro, um apartamento, o corpo de um top model ou com a mulher do Luís Figo. Mas quando temos tudo? Entramos numa aspiral doentia de procura de novos sentidos, sensações e finalidades. O quotidiano, na sua riqueza, é escasso - somos mais ricos mas continua a faltar-nos qualquer coisa... Mesmo assim não há uma razão, não há um porquê racional que possa dizer: "Foi isto!"

Perante esta notícia, pensei nas baleias cuja rota são as margens e a sua consequente morte. Possuídas por um sonho mau, recusam-se a seguir outro percurso. Por vezes penso que a necessidade de auto-destruição é um mecanismo intrínseco e cruel de selecção natural e de reestabelecimento de uma ordem que a espécie humana rompeu. Mas transpondo dimensão existencial, este vai ser um dos problemas sociais mais prementes dos tempos de hão-de vir, quer queiramos ou não. Os dias da caridade e dos esterótipos dos “pobrezinhos” estão prestes a acabar...

Curiosas acabam por ser as afirmações do primeiro-ministro canadiano relativamente ao incidente no Dawson College: «Como explicar que alguém queira pôr fim à sua vida, matando outras pessoas, pessoas que ele não conhece, apenas para matar? Não tenho explicação para isso».

O cerne da questão não é esse... o cerne da questão não é ter explicação mas sim querer ter explicação para isso mesmo. É aí que falhámos, falhamos e havemos de voltar a falhar.

Artigo de Opinião no «Notícias do Seixal»

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