Brincar aos judeus e nazis
Em Setembro, dois jovens portugueses lembraram-se de saltar o muro do cemitério judeu em Lisboa e libertaram o seu génio artístico nas campas com elementos da iconografia nazi. Surpresa! Ou não...
Eu sei: não tem piada!
Mas era importante reflectirmos sobre este episódio para algumas conclusões ou interrrogações... os dois jovens, associados a movimentos de extrema-direita, foram detidos e as vozes de repúdio levantaram-se: em pleno ano europeu para a igualdade de oportunidades, em Portugal aconteceu um fenómeno estranho e alienígena aos brandos costumes do nosso Portugal.
E o que é que a extrema-direita portuguesa quer com os judeus? Os judeus roubam empregos ou põem em causa a segurança dos portugueses? Bem esta questão entra no domínio do ridículo mas a causa preferencial do mal do nosso país para a extrema-direita portuguesa reside na imigração – para os “nacionalistas”, junta-se o útil ao agradável – porque na sua cabeça (e na cabeça de outros...) imigrantes = pretos + monhés + chinocas + estrangeiros em geral.
Provavelmente eles devem ser fãs de Tomás de Torquemada – o inquisitor que expulsou os judeus de Espanha no século XV. Não me parece... o Judeu não é o “arqui-inimigo” da extrema-direita portuguesa e o Torquemada era espanhol. Mas afinal porque é que miúdos profanam campas de judeus?
A Áustria e a Alemanha, mais do que vergonha, têm medo do seu passado anti-semita – não há jovem alemão que não tenha, pelo menos uma vez, tenha visitado um campo de concentração como Auschwitz-Birkenau ou Dachau. São experiências que em alguns casos são muito fortes, quando se observa o cabelo, os ossos, os dentes, as roupas e pertencentes daqueles que morreram lá... pura pedagogia pelo horror e pela vergonha.
Para nós, a contabilidade dos mortos do Nazismo é algo que fazemos à distância de um clique no comando da televisão para o Canal História. Ver cadáveres na Televisão e na Internet é cada vez mais fácil – faz parte das tarefas quotidianas do Cidadão Global. Mesmo quando não sabemos aquilo que representa, de facto, nós podemos sempre brincar aos judeus e nazis sem nunca perder, com a inocência de uma criança. O que torna este atque profundamente estranho e ridículo...
Chamar estes jovens marginais de estúpidos é o caminho mais fácil mas não responde ao desafio que está para vir – porque 1) não foi por falta de informação sobre o anti-semitismo que eles foram profanar um cemitério judeu e 2) não foi pelas razões clássicas do “racismo português” que praticaram este acto de xenofobia.
É importante encarar este problema com clareza científica, livres de preconceitos ideológicos. O racista será objecto das políticas sociais no futuro pois constituí um obstáculo real às políticas sociais do futuro: adianta muito pouco “demonizar” este tipo de comportamentos. É importante compreender as causas do fenómeno, as ramificações e entender que o tema da interculturalidade está presente em diferentes domínios da sociedade. Anúncios e campanhas onde se declara de forma maniqueísta qual o comportamento certo ou errado é uma perda de dinheiro.
Com isto não pretendo justificar ou desculpabilizar a profanação dos cemitérios judaicos – o que quero afirmar é que é preciso falar com um doente para saber quais os sintomas da doença, mesmo quando ele sofre de demência. Porque é de uma epidemia global e social que falamos – os fenómenos migratórios vão determinar ainda mais as agendas políticas dos governos que em tempos de crise vão sempre pelo caminho mais fácil e não pelo melhor caminho.
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